Morte virtual
Augusta Melo
Um belo dia eles somem!
Percorremos nossos olhos pelo Outlook e nada!
Onde estão?
Aquelas mensagens lindas, alegres e até engraçadas?!?!
Onde foi parar vc: "From"? Por que se foi? Eu não o deletei! Não bloqueei!
Que motivo lhe demos? Que motivo ele teve?
Começamos a consolar-nos com as suposições:
O pc está com defeito, teve que formatar, e ai perdeu tudo!
Quem sabe viajou? Ou quem sabe está com a vida corrida?
A namorada tá com ciúmes , o marido reclamou?
Mas... E se estiver doente?? Deprimido?? Sem grana para pagar a Internet?
Com dificuldade de digitar, quem sabe artrite? Será que roubaram o computador dele?
Onde está nosso amigo virtual?? Para onde foi??
Ai vem o pânico...
Onde ele mora? Sei que estava aqui dentro... Cadê????
Mas...
Em verdade ele existe de fato e de direito, tem endereço, CPF, tipo sanguíneo, DNA, telefone, etc...
Pôxa!! Por que não peguei o número?? Onde vou acha-lo, neste universo imenso da net??
Será que voltará um dia?? Ou se foi para sempre??
Ai vem a raiva...
Vou bloquear o e-mail dele! Tá pensando o quê?? Que coisa!! Não fiz nada!
É um ingrato!! Nunca me considerou!
Depois vem a mágoa...
Lhe ofereci tanto e... Foi sem nem se despedir. Cadê?
Pois é , gente... Somos impotentes diante da imensidão e do anonimato da net!
Temos que acreditar no que se diz aqui, temos que imaginar quem é o outro do outro lado.
Ou melhor não imaginar???
Temos que manter os laços de uma fita que não é de seda e sim de chita, escorregadia, bem fina,
bem frágil.
Claro que tem aqueles que se apresentam e mandam dados.
Temos que confiar. Se for um maníaco? Céus! Será que é quem diz?
Mas em verdade, a maioria, quem são?? Onde encontra-los ?
Dentro da fragilidade da pontuação, cada um lê o que quer ou que lhe parece.
Quantas vezes dizemos olá!!!! E lêem OLÁ! Temos então que explorar bem o teclado!!!!!!!
Quantas vezes nossas intenções são lidas de maneira diferente, à mercê do humor e da pontuação de quem está do outro lado?? Inúmeras, todas!!
Já pararam para pensar:
Eles vem e vão de nossas caixas de mensagens, e nós entramos e saímos de suas listas de e-mails.
Quantos morreram e não sabemos? Quantos digitaram piadas em olhos embaçados de lágrimas !
Quantos retratos mentirosos... Quantas verdades nas entrelinhas...
Não podemos saber, não vemos, de fato.
Mas podemos ter a sensibilidade da sintonia humana, a fé no semelhante, a inocência pretendida,
podemos sentir quando se vão, e quando não nos querem mais?
Podemos sim, trata-los com o respeito que merecem, respondendo todas as sua perguntas,
mandando todas as mensagens, repassando todos os seus créditos, considerando-os do bem.
Para que um dia, quando não estiverem mais aqui, se tenha só saudade, e não mágoa e raiva.
Porque esta é a frágil ligação virtual, as vezes e muitas vezes tão realmente importante para fazer o dia de alguém, melhor.
Mas que, quando nos deparamos com a realidade de que os fatos são virtualmente frágeis...
E que esses que se foram de nossa telinha podem nunca mais retornar...
Conhecemos enfim, a morte virtual.
Para ela só resta o luto de uma simples, mas sincera, poesia in memorian, por uma perda sentida e virtualmente real...